O Gesso nos Resíduos de Construção e Demolição



   A utilização do gesso na construção civil vem crescendo gradativamente ao longo dos últimos anos, com maior intensidade desde os anos 90, quando o sistema Drywall passou a ser utilizado nas vedações internas de diversos tipos de edificações, além dos usos tradicionais do gesso como material de revestimento ou como peças de acabamento ou decoração. 
   O gesso é um material branco e fino, que em contato com a água se hidrata e forma uma massa plástica que se expande e, em questão de minutos, torna-se rígida. É obtido por meio da calcinação (decomposição a quente ou desidratação) da gipsita, mineral encontrado em abundância a nível mundial. Nesta reação de calcinação são separadas da gipsita as impurezas (calcários, salgema, etc.) associadas ao minério. O resultado deste processo gera gesso alfa, com cristais grandes e regulares, utilizados no setor de odontologia e ortopedia, ou gesso beta, com cristais pequenos e irregulares e amplamente utilizados no setor da construção civil. Por conta de seu processo de calcinação, é um material que gera um considerável impacto ambiental, visto que este processo ocorre a altas temperaturas, resultando em um elevado consumo energético, emissão de gases na atmosfera e geração de resíduo associados à combustão, já que as temperaturas são obtidas usualmente com a queima de carvão vegetal ou lenha.


Imagem retirada da cartilha informativa produzida pela Associação Brasileira do Drywall [2]

   O gesso é um material utilizado na construção por sua leveza, pequeno poder de retração, facilidade de manuseio, elevada plasticidade da pasta, por garantir um elevado poder de equilíbrio higroscópico (propriedade de absorver e liberar umidade ao ambiente), além de funcionar como inibidor da propagação de chamas, liberando moléculas de água quando entra em contato com o fogo. Além disso, absorve movimentos normais da estrutura sem a formação de trincas. É considerado também um isolante térmico e acústico natural e permite a aderência de pinturas e acabamentos quando utilizado como revestimento, mas deve ser observado que o gesso não é muito utilizado em matrizes cimentícias, pois suas propriedades expansivas podem prejudicar propriedades de concretos.
   O manuseio do gesso na construção civil acaba gerando resíduos e, ao contrário do que foi inicialmente previsto em normas ambientais brasileiras, esse resíduo pode ser reciclado e reaproveitado de diferentes formas, sem a necessidade de ir direto para descarte, como era anteriormente previsto. Estas novas possibilidades de uso promovem um maior beneficiamento ambiental, reduzindo a utilização de nova matéria prima e contribuindo para evitar o acúmulo de material descartado no meio ambiente.
   O uso do gesso na construção civil é empregado em diversos cenários, sendo os mais frequentes: gesso para revestimento; em placas e ornamentos de gesso fundido; chapas para Drywall; e massas para tratamento de juntas de sistemas Drywall. A geração de resíduos, nestes contextos, é dada durante a operação e aplicação do gesso para revestimento ou nas massas para tratamento de juntas, bem como no posterior nivelamento da superfície revestida e em quebras ou ajustes dimensionais das peças ornamentais ou chapas de Drywall.
   Nos canteiros de obra, onde o material é manuseado e aplicado, qualquer resíduo à base de gesso deve ser coletado e armazenado em local específico, sendo estes separados dos demais materiais residuais (ex: madeira, metais, papéis, concreto, blocos cerâmicos, etc.). O local de armazenamento deve ser seco, sugerindo-se que seja feito em caixa com piso concretado ou em caçamba, em ambiente coberto para proteger da chuva e de demais possíveis contatos com água. A coleta do resíduo desta maneira contribui para a qualidade do material a ser enviado para as usinas de reciclagem, tornando mais fácil seu beneficiamento e de melhor qualidade o material resultante para retornar à indústria.
   Os resíduos de gesso beneficiado readquirem as características químicas da gipsita, minério do qual se extrai inicialmente o gesso. Assim, o material pode ser limpo e reutilizado na cadeia produtiva. Desde o final dos anos 90 as pesquisas na área de beneficiamento do resíduo do gesso utilizado na construção civil avançou de forma significativa em três diferentes caminhos para o reaproveitamento deste material: a indústria do cimento, a agricultura e o setor de transformação de gesso.
  • A indústria do cimento: Misturas de gesso e cimento, ou de gipsita e clínquer, são possíveis na construção civil, pela vantagem na combinação de suas propriedades. Ao utilizar cerca de 5% de gesso na pasta, este material atua como retardante de pega, tornando a pasta mais “trabalhável”, evitando que endureça tão rapidamente. Neste contexto, o gesso residual da obra pode ser britado, moído e retornado às fábricas de cimento, presentes em todo o Brasil.
  • Uso agrícola: O gesso pode ser utilizado na agricultura com quatro principais funções: efeito fertilizante (pois é fonte de enxofre e cálcio); corretivo de solos sódicos (comum em regiões áridas e semi-áridas) e de solos com excesso de potássio; condicionador de subsuperfície (em solos tropicais, onde há deficiência de cálcio relacionada à toxicidade do alumínio), onde o gesso atua elevando os teores de cálcio, diminuindo os teores de alumínio e, assim, favorecendo o crescimento de raízes das plantas; e condicionador de esterco (diminui perdas de amônia), tornando-o mais eficiente como fertilizante orgânico natural.
  • Indústria da transformação do gesso: o gesso residual pode ser reincorporado, em certa proporção, nos processos industriais para fabricação de novas placas de gesso, chapas de Drywall ou artefatos produzidos com esse material. Esta opção ainda é pouco utilizada na prática, mas é viável do ponto de vista econômico e técnico, especialmente quando a geração dos resíduos é em local próximo às fábricas deste setor, por conta do custo do transporte e logística.


Imagem retirada da cartilha informativa produzida pela Associação Brasileira do Drywall [2]

   Originalmente, a Resolução nº 307 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), publicada em 2002, determinava que o gesso era resíduo de Classe C, significando que a reciclagem deste material não era viável por não haver tecnologia desenvolvida para esta transformação ou que não seria economicamente viável, de modo que o gerador de resíduo destinasse o montante de gesso à aterros industriais. Entretanto, na alteração da resolução, publicada em 2015, o gesso passou a ser considerado resíduo de Classe B, definido como o resíduo que pode ser reciclado, porém não como agregado da construção civil (definido como resíduo de Classe A), assim como diversos outros materiais, por exemplo: plástico, papel, metal, madeira, também considerados resíduos de Classe B. Deste modo, o resíduo de gesso gerado em obra deve ser destinado corretamente para as Áreas de Transbordo e Triagem (ATT’s) para serem encaminhadas às Usinas de Reciclagem que retornarão este material à indústria, contribuindo, assim, para a redução do impacto ambiental e novas possibilidades de uso para este material.

Iohana Bürger da Rosa
Orientadora: Angela Borges Masuero
Coorientador: Iago Lopes dos Santos
Bolsista BIPOP - NORIE/LAMTAC - Grupo de Materiais - PPGCI
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa - UFRGS - Brasil

Fonte:
[1]: RESOLUÇÃO CONAMA Nº 307. Governo Federal, Resoluções do CONAMA, 2002. Disponível em: <http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=307>. Acesso em 6 de nov. de 2019.
[2]: RESÍDUOS DE GESSO NA CONSTRUÇÃO CIVIL: Coleta, armazenagem e reciclagem. Associação Brasileira do Drywall, 2012. Disponível em: <https://www.sinduscondf.org.br/portal/arquivos/ResiduosdeGessonaConstrucaoCivil.pdf>. Acesso em 5 de jun. de 2020.
[3]: AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DO GESSO, Marioteca Sustentável da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <https://materioteca.paginas.ufsc.br/gesso/>. Acesso em 11 de jun. de 2020.
[4]: DE MILITO, J. A. Avaliação do comportamento de pastas de gesso com cimento Portland e sílica ativa para revestimento. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2001. Acesso em 20 de jul. de 2020.